quinta-feira, 2 de agosto de 2018

CAMA VAZIA


     A cama vazia recebeu-me com desconfiança esta noite.
     — Sozinho? – disse ela em voz alta, tentando avisar os travesseiros que jaziam preguiçosos.
     Como eles não deram sinal de terem ouvido, ela insistiu:
     — Algo está errado, vocês não perceberam que ele está sozinho?
     Deitei-me.
     Ao longe uma coruja solitária lamentou amargamente alguma desventura. Uma brisa gélida entrou pela janela sussurrando lamúrias incontáveis. Ajeitei-me no meu cantinho. É impressionante o que a força do hábito é capaz de fazer. Senti o enorme vazio ao meu redor. Suspirei e aguardei pela chegada do irmão da morte.
     No meio da noite um casal de gatos invadiu a cama, um deles, o amarelo, olhou-me com olhos faiscantes e depois se deitou e dormiu.
     A cama indignou-se. Onde já se viu esses animais ocuparem um espaço que já estava reservado.
     Na manhã seguinte, quando me levantei, a cama choramingou decidida: algo realmente estava errado. Alguma coisa grave havia acontecido.
A partir daí ela passou a esticar os ouvidos a tudo.
     Em sua mente o quebra-cabeça foi se formando. Cada peça sendo encaixada minuciosamente, até construir o cenário. Ela precisava disso. Precisava saber o houve. Era uma cama obcecada.
     De repente, uma ideia acometeu sua mente. "ela o deixou", pensou consigo mesma. "ela o deixou". Gritou para os dois travesseiros sobre sua cabeceira.
— ela o deixou! Eu sabia! E agora? O que vai ser de mim? De nós?
— Logo haverá outra se deitando sobre mim, recostando a cabeça sobre um de vocês. Estou certa disso, tenho certeza!
Um dos travesseiros resmungou algo inaudível.
– Isso é muito sério! Já pensaram se ela for gorda demais, talvez magra demais. Talvez tenha cabelos curtos. Ah! Eu odeio cabelos curtos!
     De repente, veio da sala o som de risos, era um riso feminino. Ela enlouqueceu!
     — Meu Deus!!! – gritou. Um dos travesseiros abriu os olhos pela metade. – Já está acontecendo! Vocês ouviram o riso de mulher? Ouviram?
     — É a televisão sua besta, preste atenção! – disse o travesseiro soltando um bocejo.
     — Vocês não entendem! Ela foi embora, será que vocês não tem coração?
     — Claro que não. Somos travesseiros. E nem você tem. - o travesseiro disse enquanto fechava os olhos lentamente.
Durante toda uma semana a cama os incomodara. Se tivessem pés, eles teriam fugido dela. Até mesmo o celular, Nas poucas vezes em que era colocado sobre ela, tinha que aguentar a tonelada de perguntas que ela jorrava. Ele, o celular, sempre respondia pacientemente:
     — Desculpe, tenho que manter o sigilo profissional.
     Passada essa semana, quando ela sentia que já estava enlouquecendo de solidão, ouviu quando eu sentei-me na cama conversando ao celular, este na viva voz. Ela não conteve um grito, que acordou ambos os travesseiros, quando ouviu a voz do outro lado dizer que voltaria no dia seguinte.
     — Ah, ela vai voltar amanhã. – disse solene aos travesseiros. – eu não disse para vocês manterem a calma, que não era nada demais? Ah, como vocês dois são pessimistas!