A cama vazia
recebeu-me com desconfiança esta noite.
— Sozinho? – disse
ela em voz alta, tentando avisar os travesseiros que jaziam preguiçosos.
Como eles não
deram sinal de terem ouvido, ela insistiu:
— Algo está
errado, vocês não perceberam que ele está sozinho?
Deitei-me.
Ao longe uma
coruja solitária lamentou amargamente alguma desventura. Uma brisa gélida
entrou pela janela sussurrando lamúrias incontáveis. Ajeitei-me no meu
cantinho. É impressionante o que a força do hábito é capaz de fazer. Senti o
enorme vazio ao meu redor. Suspirei e aguardei pela chegada do irmão da morte.
No meio da noite
um casal de gatos invadiu a cama, um deles, o amarelo, olhou-me com olhos
faiscantes e depois se deitou e dormiu.
A cama
indignou-se. Onde já se viu esses animais ocuparem um espaço que já estava
reservado.
Na manhã seguinte,
quando me levantei, a cama choramingou decidida: algo realmente estava errado.
Alguma coisa grave havia acontecido.
A partir daí ela passou a esticar
os ouvidos a tudo.
Em sua mente o
quebra-cabeça foi se formando. Cada peça sendo encaixada minuciosamente, até construir
o cenário. Ela precisava disso. Precisava saber o houve. Era uma cama obcecada.
De repente, uma
ideia acometeu sua mente. "ela o deixou", pensou consigo mesma.
"ela o deixou". Gritou para os dois travesseiros sobre sua cabeceira.
— ela o deixou! Eu sabia! E
agora? O que vai ser de mim? De nós?
— Logo haverá outra se deitando sobre
mim, recostando a cabeça sobre um de vocês. Estou certa disso, tenho certeza!
Um dos travesseiros resmungou
algo inaudível.
– Isso é muito sério! Já pensaram
se ela for gorda demais, talvez magra demais. Talvez tenha cabelos curtos. Ah!
Eu odeio cabelos curtos!
De repente, veio
da sala o som de risos, era um riso feminino. Ela enlouqueceu!
— Meu Deus!!! –
gritou. Um dos travesseiros abriu os olhos pela metade. – Já está acontecendo!
Vocês ouviram o riso de mulher? Ouviram?
— É a televisão
sua besta, preste atenção! – disse o travesseiro soltando um bocejo.
— Vocês não entendem!
Ela foi embora, será que vocês não tem coração?
— Claro que não.
Somos travesseiros. E nem você tem. - o travesseiro disse enquanto fechava os
olhos lentamente.
Durante toda uma semana a cama os
incomodara. Se tivessem pés, eles teriam fugido dela. Até mesmo o celular, Nas
poucas vezes em que era colocado sobre ela, tinha que aguentar a tonelada de perguntas
que ela jorrava. Ele, o celular, sempre respondia pacientemente:
— Desculpe, tenho
que manter o sigilo profissional.
Passada essa
semana, quando ela sentia que já estava enlouquecendo de solidão, ouviu quando
eu sentei-me na cama conversando ao celular, este na viva voz. Ela não conteve
um grito, que acordou ambos os travesseiros, quando ouviu a voz do outro
lado dizer que voltaria no dia seguinte.
— Ah, ela vai
voltar amanhã. – disse solene aos travesseiros. – eu não disse para vocês
manterem a calma, que não era nada demais? Ah, como vocês dois são pessimistas!